O Fenômeno da Realidade Paralela e o Universo da Ilusão
Resumo
Partindo da concepção de indivíduo insuficiente (EHRENBERG, 1998), o trabalho sugere que indignação, ressentimento, inveja, frustração e sentimentos de exclusão estão fortemente presentes em grande parcela da população brasileira e os tornam susceptíveis a um discurso extremista e a aderir à realidade paralela em busca de um espaço vital que, diferentemente da realidade compartilhada, lhes acene com a realização de seus desejos, num contexto homogêneo, sem arestas, do qual o conflito, a diferença e a frustração estão ausentes, isto é, o Universo da Ilusão. Apresenta, então, a concepção de Ilusão em psicanálise partindo de Freud que considera o componente realização de desejo central na Ilusão, mas também discute o conflito entre a busca da plenitude narcísica e o desamparo, presentes na Ilusão, do qual tanto a neurose quanto a cultura se originam. Em seguida apresenta a posição de Chasseguet-Smirgel que se aprofundou no estudo da busca avassaladora de alcançar um estado ideal de coisas, presente no que denomina de Universo da Ilusão, que anula as diferenças, escamoteia o conflito e desencadeia a agressividade característicos dos sistemas totalitários e também dos grupos extremistas atuantes na sociedade brasileira. E finalmente traz a posição de Winnicott para quem o Espaço da Ilusão é um território intermediário entre o mundo interno e a realidade externa, sustentado por um paradoxo cujo valor reside em ser sustentado como tal, locus por excelência de produção da cultura, um ideal longe de ser usufruído no contexto político social brasileiro onde a cisão e o negacionismo predominam, atualmente.
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