Hélio Pellegrino:
por uma psicanálise política
Resumo
“É a simplicidade que nos constrange”, lamentou Edgar Allan Poe
Hélio Pellegrino foi arrebatadoramente simples. Fugiu à ribalta e aos holofotes. Só não o fez de si mesmo, viveu na rua, “onde o povo mora e namora”. Tudo o que dizia, com voz de barítono, vinha da alma e chegava à fala, compassada pelas mãos, em êxtase, os olhos muito abertos e diáfanos, emanando luz. Escrevia ao som da máquina Remington, raríssimamente consultando um texto. Tinha orgulho de ser jornalista da melhor “safra dos anos 40 das Alterosas”. Amava redigir crônicas e fazer poemas, a diferença dos dois, apenas na forma. Em se tratando de Justiça, encarnava a ira dos Profetas para gritar com veemência contra o opressor. Para a poesia recorria à lira que tocava com os olhos fechados, sonhando com histórias de amor, ou chorando pelo esquartejamento “tiradentista” das serras das Gerais.
“É escritor e poeta, não um psicanalista”, foi o que ouviu do presidente da SPRJ, para desautorizá-lo na crítica à psicanálise praticada pelos “barões” daquela sociedade. Hélio orgulhou-se com o “elogio”. Freud recebeu, em 1930, o prestigioso Prêmio Goethe de Literatura. Cunhou a frase antológica, “Com o último homem morrerá o último poeta”.
A toga da psicanálise de Hélio, foi Larissa Leão de Castro que soube bordá-la com os pontos de cruz, simplicidade e graça da artista que sabe sovar o verbo. Na pesquisa rigorosa, fiel aos cânones da Academia, a autora mapeou, com maestria e arte, a estrada real por onde “pellegrinou” o intelectual mineiro. Notável varredura sobre o pensamento de Hélio, síntese inteligente e didática do que seja a psicanálise, criada por Sigmund Freud. ACOLHIMENTO!
Pellegrino não recorreu ao hermetismo, menos ainda à prolixidade ou gongorismo para impressionar leitores e deixar ouvintes embevecidos com discurso arrebatado e sonoro, escondendo o vazio de conteúdo. Pouco bateava citações de lentes para autorizar a própria construção teórica. Forjou um pensamento próprio e genuíno, no mais puro cristal, sem jaça, da cata de Sigmund “O sonho..., em sua imaterialidade, tem o peso de uma rocha – ou de destino”. E mais, “... leio o granito a partir de meu sonho ...”.
Monumental compilação poética da Ciência dos Sonhos!
É larga a história oral sobre o psiquiatra que veio de Minas e se fez psicanalista, no Rio; a atenção voltada para o “Outro”, nada lhe escapando, do Criador à majestosa bananeira prenhe, à beira do caminho.
Parmênides, Empédocles entenderam a filosofia como uma travessia poética, escreveram em versos. A psicanálise é literatura, é poesia. O sujeito fala prevalentemente de si, quase sempre sem ter consciência disso. O escritor criativo não se dá conta dos abismos da narrativa, tanto quanto o leitor, capaz de respigar do texto o que o autor sequer cogitou dizer. E que lá está, no bloco de mármore, pleno de esperas.
Larissa conheceu Hélio. Conversou com ele uma noite inteira e tombou de paixão diante do saber fulgurante do buliçoso rapaz de Belo Horizonte, político, jornalista, filósofo, jornalista, poeta, médico, psiquiatra, teólogo, psicanalista, pai, amigo, empático, pessoa humana, puro sangue. Gente! Foi recebida por ele em consultório, ensejando a ela beber da fonte o saber cristalino daquele “Herr”, na universalidade de seu olhar para com o semelhante, com quem falava da natureza e da vida, de Deus e do lado escuro do mundo e seus mistérios indomados. Ele vira com os próprios olhos o paciente psiquiátrico, hipotônico, toda a vida, o Lobo do Mar, urinando-se por inteiro, diante dos olhos curiosos dos alunos de psiquiatria. Abraçou-o e chorou. Repensou seu lugar como médico. “Assim, não”! Larissa de Castro saiu solar do encontro, quando acordou do sonho, o dia alvorecendo, disposta a escrever sobre a obra daquele gênio e mostrar às gentes como entendeu Pellegrino o ofício de Freud, escuta e acolhida incondicional ao que lhe batesse à porta. E ele o fez no asfalto e no morro. Ouviu abonados, descartados, invisíveis, com a mesma atenção, atormentados e aflitos, à procura de um caminho. Mostrou-nos ela, sobejamente, na bela costura que nos ofereceu a ler, Hélio Pellegrino, que tudo o que fez, fê-lo sem CONSTRANGIMENTO, na límpida SIMPLICIDADE que o constituía.
Creio que Hélio Pellegrino me autoriza: “Obrigado, generosa Larissa”!
Referências
CASTRO, L. L de. Hélio Pellegrino: por uma psicanálise política. Curitiba: Appris, 2024. 293 p
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